domingo, 25 de abril de 2021

Matilde Rosa Araújo: do 25 de Abril à utopia

História de Uma Flor, editado primeiramente nos anos setenta, depois incluído em A Velha do Bosque (1983) e, finalmente, por sugestão minha transmitida ao editor José Oliveira, publicado num livro em formato de álbum, e com conseguidas e vibrantes ilustrações de João Fazenda, História de Uma Flor (Caminho, 2008), dizia, configura uma das mais belas alegorias sobre o fascismo e a Revolução de Abril da nossa literatura para crianças. Foi, sem dúvida, um livro pioneiro no tratamento do tema, um dos primeiros a serem escritos para os mais novos após 1974, juntamente com O Companheiro, de Sidónio Muralha, e Bichos de Abril, de Carlos Pinhão. Um conto, ademais, de prosa simples mas saborosa e eivada de recursos poéticos, protagonizada por uma flor que um dia se liberta da escuridão e reencontra as suas «irmãs» por todo o lado na cidade. Um texto de ecos platónicos, em que, além da flor, nos surge a voz incentivadora dos sapos. 

Utopicamente, a autora, Matilde Rosa Araújo, futurava a sociedade humana como uma aldeia em que nenhum ser humano fosse estranho a outro, em que a fraternidade e solidariedade desinteressada fosse a lei suprema e natural do trato entre os homens, e em que os velhos se vissem tratados com carinho e respeito. Expressão máxima desse ideal é talvez Rosalinda Foi à Feira (Arnado, 1993), um conto breve e simples, mas cheio de graça e ritmicamente marcado pelo homoteleuto, ou seja, a rima interna. 


Mas outros títulos, na obra de Matilde Rosa Araújo, dão voz a esta indeclinável pulsão utópica. E, por isso, aqui fica o desafio do regresso à obra da autora de O Livro da Tila, uma amiga de Abril e, a seu modo, uma resistente ao fascismo (com a sua poesia, a sua acção cívica e a sua defesa dos direitos da criança). Uma amiga cujo centenário do nascimento se comemora em 2021.



José António Gomes

IEL-C (Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Porto)


História de Uma Flor pode ser adquirida aqui