terça-feira, 22 de junho de 2021

Matilde-menina chega aos 100 anos!




20 de Junho de 2021: o centenário do nascimento de Matilde Rosa Araújo (Lisboa, 1921-2010). Para comemorar essa festa, poderá escutar uma bela canção com poema seu e música de Jorge Constante Pereira. A interpretação é de Vitorino. Bastará seguir o link no final deste texto.

Creio que ninguém melhor que Matilde soube o que era poesia capaz de “falar” ao coração e à sensorialidade da criança, em títulos como O Livro da Tila (1957), Mistérios (1980), As Fadas Verdes (1994), Segredos e Brinquedos (1999) ou Anjos de Pijama (2009). Mas não esqueçamos, tão pouco, os seus contos para os mais novos, em especial O Palhaço Verde (1960), O Sol e O Menino dos Pés Frios (1972), As Botas do Meu Pai (1977), O Passarinho de Maio (1990) ou História de Uma Flor (lindíssima narrativa curta em torno do 25 de Abril, com belas ilustrações de João Fazenda, publicada em 2008 após uma primeira edição, ainda nos anos setenta). 

Os animais (em especial os mais pequenos, modestos ou desdenhados) e a protecção da Natureza; os grandes mistérios e maravilhas escondidos nas pequenas coisas; a meninice e a velhice; o crescimento, a socialização e a descoberta do mundo; as profissões mais modestas e as injustiças sociais; a “diferença” de diverso tipo e a infância desvalida; a magia do circo e o enamoramento; a criança e a sua actividade lúdica; a infância como promessa de regeneração do mundo – eis alguns dos veios temáticos da escrita de Matilde. Uma escrita muito sábia do ponto de vista fónico-rítmico e que se deixou marcar positivamente tanto pelo cancioneiro popular e pela poesia trovadoresca, como pela poética mais andaluzista de Federico García Lorca.   

Talvez por isto que acabamos de afirmar, muitos foram os que musicaram textos da autora de O Cantar da Tila (1967), como Lopes-Graça, Adriano Correia de Oliveira, Jorge Constante Pereira, Fernando Lapa, Pedro Branco, David Lloyd, Joana Rodrigues e Madalena Carvalho, entre outros. São bem conhecidas, igualmente, as suas parcerias, em livro, com grandes artistas da ilustração como Maria Keil, Manuela Bacelar ou André Letria, entre muitos outros. 

Não esqueçamos, por outro lado, que Matilde Rosa Araújo é ainda autora de um belo livro de poemas “para adultos”, Voz Nua (1982), e de várias obras de ficção narrativa de preferencial destinatário adulto, bem como de alguns ensaios, antologias excelentes e um punhado de manuais escolares de Português não menos desafiantes. 

Premiada por diversas vezes em Portugal e no Brasil, foi candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen do International Board on Books for Young People e uma das mentoras do IAC, Instituto de Apoio à Criança. Além do mais, foi uma democrata e uma antifascista de coração e de posições assumidas, e um ser humano maravilhoso, com um fino sentido de humor e de grande generosidade e delicadeza de alma. Por isso fez mais de mil amigos, certamente, colhendo sempre a simpatia de todos. 

Talvez tenha sido a mais devotada defensora dos direitos da criança que conhecemos. Matilde amava a infância e foi uma notável pedagoga, e uma reconhecida estudiosa da presença da figura infantil na literatura portuguesa.

Bem merece, por isso, que celebremos o centenário do seu nascimento e que honremos o seu imenso legado artístico e humano, dando a ler os seus livros aos mais pequenos e às novas gerações de educadores de infância e professores.

 

[Pode escutar aqui a canção “Ladainha da aranha” com poema de Matilde Rosa Araújo.]


 

José António Gomes

IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Porto

segunda-feira, 14 de junho de 2021

António, Como se Faz Cor-de-Laranja?

António Torrado foi-se embora hoje. Mas o seu pajem continua a não se calar. As hastes do seu veado continuam a florir (ou não fosse ele o veado da liberdade). A sua vassourinha continua a varrer as coisas chatas e velhas (no sentido peçonhento desta palavra) e a varrer, claro está, todos os ditadores. E o seu macaco aspirante a leitor, do Jardim Zoológico em Casa, e os seus bichos jogadores de futebol, do Elefante Não Entra na Jogada, e os seus Emilinho e Anacleto (co-inventados com a Maria Alberta) continuam a fazer-nos rir, rir, rir... O António é a graça feita palavra, é a parole conteuse por excelência, é o melhor contador de histórias orais e escritas que me foi dado conhecer pessoalmente. Ele, que teve como mestres Perrault, Andersen e Oscar Wilde, foi e continuará a ser mestre de muitos. Porque se tornou um verdadeiro artista da Palavra-Que-Conta-e-Encanta e que assim se converte em poesia. 

Solidário, fraterno, genuinamente interessado nos outros e não apenas em si próprio, o António é mestre doutra arte: a de fazer amigos. E por isso, hoje, os seus amigos (tantos são) choram. Porque sabem que, a esta hora, já ele está a brincar e a dizer piadas na companhia da Maria Alberta e da Matilde – a quem, por brincadeira, chamava às vezes paraninfa; e a querida Matilde ria, ria, ria...

Ai que dor, António. Que saudade já. Diz-me, António, diz-me como se faz cor-de-laranja.

 

11-6-2021

 

João Pedro Mésseder

domingo, 6 de junho de 2021

Leonor Riscado | In memoriam

 


Deixou-nos no passado dia 4 de Junho. Conhecíamo-nos há muitos anos. Era, acima de tudo, uma amiga fiel, verdadeira e solidária, de uma delicadeza de espírito rara, nos antípodas de qualquer espécie de egocentrismo. Mas foi também uma das professoras e investigadoras que mais sabiam, entre nós, sobre literatura para a infância e a juventude (LIJ). Escreveu muito e bem (comunicações, artigos, recensões críticas, apresentações públicas de livros) sobre os mais diversos autores e dirigiu não poucas teses e relatórios finais de mestrado sobre pedagogia da leitura e sobre LIJ. Fê-lo na Escola Superior de Educação de Coimbra, onde leccionava (e fazia-o com grande entrega pessoal e profissional), e onde desempenhou cargos como o de presidente do Conselho Científico. Foi ainda membro da Associação Portuguesa de Críticos Literários, da comissão de redacção, além de colaboradora permanente, da revista “Malasartes – Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude” (1999-2011), com textos sempre marcados pela qualidade da escrita, pelo rigor e por uma sensibilidade peculiar. Foi, além disso, colaboradora, desde a primeira hora, do Plano Nacional de Leitura, e membro de diversos júris de prémios literários. 


Deixa em todos os que a conheciam (colegas, escritores, ilustradores, amigos, alunos) uma enorme saudade. Nunca esqueceremos o seu olhar, o seu sorriso, a sua voz.  




José António Gomes




Fotografia retirada da página do Plano Nacional de Leitura