Em 9 de Maio de 1974, que tinham em comum António Torrado, Alice Gomes, Ilídio Sardoeira, Ilse Losa, Isabel César Anjo, Lília da Fonseca, Luísa Dacosta, Luísa Ducla Soares, Madalena Gomes, Manuela Cruzeiro, Maria Cândida Mendonça, Maria Cecília Correia, Maria do Carmo Rodrigues, Maria Lamas, Maria Lúcia Namorado, Marina Algarvia, Mário Castrim, Matilde Rosa Araújo, Noémia Setembro, Papiniano Carlos, Sidónio Muralha e Sophia de Mello Breyner Andresen, para os seus nomes surgirem a assinar um telegrama noticiado nas páginas do vespertino A Capital?
Pois bem, era comum a todos eles a circunstância de serem escritores e se dedicarem (também) à criação literária para a infância e a juventude. O título da notícia era: «Escritores para crianças saúdam Junta de Salvação nacional» e, logo no parágrafo inicial, reproduzia-se o texto do referido telegrama: «Escritores portugueses saúdam Junta de Salvação Nacional e, solidários com os objectivos Movimento 25 de Abril, comprometem-se a continuar a ser intérpretes e zeladores de uma autêntica Democracia num Portugal Novo, onde também a criança e o jovem, a quem têm dedicado grande parte do seu trabalho, ocupem o lugar justo que lhes é devido».
Iniciativa bela, justa e que dignifica quem assinou – pensarão muitos. Assim pensamos nós, também, que bem conhecemos da História o que foi a acção cívica e pedagógico-cultural de vários destes escritores em prol da protecção à infância e à juventude e em defesa dos direitos da criança. Essa infância que, em Portugal, era vítima chocante, escandalosa das políticas económicas, sociais e educativas do fascismo, num tempo em que o analfabetismo e a iliteracia, o abandono escolar, o trabalho infantil e a reduzida escolaridade obrigatória eram apenas quatro das muitas doenças graves de que padecia o país, sujeito que estava à ditadura e marcado por índices de pobreza intoleráveis.
Por outro lado, o telegrama evidenciava também, além da preocupação com a infância e a juventude, a assunção indirecta da dignidade estético-literária do «trabalho» de criação a que se devotavam estes escritores, o que constitui outro elemento digno de ser sublinhado.
Devemos esta informação e a exumação desta notícia a Eleonor Castilho, neta da escritora Maria Cecília Correia (1919-1993). A cópia chegou-nos à mão por via de outra mão amiga, a da Prof.ª Sara Reis da Silva, da Universidade do Minho, colaboradora habitual de A Inocência Recompensada.
Com efeito, no quadro do centenário do nascimento de Maria Cecília Correia em 2019 e posteriormente, Eleonor Castilho tem desenvolvido um trabalho aturado e meritório no sentido de manter vivas a memória da sua avó e da obra para crianças e para adultos que nos legou. Essa atenção resultou já em exposições sobre a biografia e a escrita da autora de Histórias da Minha Rua, além de comunicações, publicações e outras intervenções, que muito oportuna e adequadamente têm evocado a sua personalidade rica, multifacetada, interventiva, além da beleza dos seus livros, vários deles a carecerem de reedição, para não falar dos textos inéditos que deixou e que importa sejam publicados.
Terminemos então lembrando Maria Cecília Correia. Recorremos, para tal, à citação integral da entrada que lhe é dedicada no projecto Vercial:
«Maria Cecília Correia Borges Cabral Castilho (1919-1993) nasceu em Viseu e faleceu em Lisboa. Conhecida nos meios literários por Maria Cecília Correia, dedicou-se sobretudo à Literatura Infantil. Deixou um conjunto de livros inspirados no real, no quotidiano e cujas histórias têm como tema o mundo da criança: a beleza, o sonho e a magia.
Destacam-se na sua obra as Histórias da Minha Rua (Prémio Maria Amélia Vaz de Carvalho), Histórias de Pretos e Brancos, Histórias do Ribeiro, O Coelho Nicolau, Amor Perfeito e O Besouro Amarelo. Para adultos, publicou Pretérito Presente e Presença Viva. Colaborou na revista Modas e Bordados e no Diário Popular. A escritora apoiou várias organizações ligadas à criança, participando com outros escritores na celebração do Dia Internacional do Livro para a Infância e Juventude. Muitos dos seus textos foram inseridos na exposição Brincar Através da Pintura, no Centro Infantil Artístico da Fundação Calouste Gulbenkian.
Obras: Histórias da Minha Rua, ilustração de Maria Keil, Lisboa, 1957?, 1975, 1977, Portugália Editora, Prémio Maria Amélia Vaz de Carvalho. Histórias de Pretos e Brancos e Histórias da Noite, ilustração de Maria Keil, Lisboa, 1960, Ática. Histórias do Ribeiro, ilustração de António Cabral Castilho, Lisboa, Edição da Autora, 1974, 1977, 1984. O Coelho Nicolau, ilustração de António Cabral Castilho, Lisboa, Edição da Autora, 1974, 1976. Amor Perfeito, ilustração de António Cabral Castilho, Lisboa, Edição da Autora, 1975. Histórias da Minha Casa, ilustração de Maria Keil, Lisboa, Edição da Autora, 1976. O Besouro Amarelo, ilustração de António Cabral Castilho, Lisboa, Edição da Autora, 1977. Bom Dia, ilustração de Carlos Barradas, Lisboa, Plátano, 1983. Manhã no Jardim, Lisboa, Plátano, 198-. Pretérito Presente, ilustração de António Cabral Castilho, Lisboa, Edição da Autora, 1976. Presença Viva ilustração de António Cabral Castilho, Lisboa, Secretariado da Pastoral das Vocações e do Ensino Religioso Médio, 1987.»
José António Gomes
IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Porto