quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sal, Sapo, Sardinha, de António Mota

Acompanhado, na capa da reedição da Gailivro (2010), por imagens de animais (peixe na praia, borboletas, caracol), o título aliterante e silabicamente gradativo desta coleção de vinte e um poemas, muito sugestivo aliás, antecipa traços marcantes da poética de António Mota, designadamente a ligação à terra e à sua fauna.

A observação e reflexão sobre os bichos constituem ponto de partida para um percurso de descoberta: desvendar o mistério que se esconde por trás de cada um, reter os elementos de “alma” animal que nele se manifestam. O projecto ganha expressão em composições muito breves – por vezes não mais que uma frase – (oscilando entre quatro e dezasseis versos, sendo a maioria dos textos de sete, oito ou dez) onde as assonâncias e aliterações, a par da rima e de ritmos sugestivos, marcam presença.

Estes traços não ofuscam, porém, o convite a ver para lá da aparência exterior dos seres (que nunca são isolados do universo que os rodeia), procurando-se, assim, estimular no leitor aquilo a que poderíamos chamar o poder de observação e exegese poéticas – vemo-lo em poemas como "Caracol", "Borboleta", "Truta", "Grilo", "Ovelha" ou "Veado": "Guarda na cabeça / os galhos secos / da floresta / e nas patas / a leveza da brisa. / No focinho tem / o orvalho das manhãs de Verão / no corpo / o Outono dos montes / e nos olhos / a água límpida das fontes."

Em algumas das composições, são notórias as ressonâncias do haiku, recorrendo-se, aqui e acolá, a uma estratégia definicional (Ovelha – "É uma nuvem / num campo / apoiada / em quatro estacas."), que raras vezes opta pela personificação do animal, levando-nos, assim, a distinguir em parte este bestiário de outros igualmente destinados ao público infantil e publicados por autores como Afonso Lopes Vieira, Sidónio Muralha, Alice Gomes, Carlos Pinhão, Leonel Neves ou Violeta Figueiredo.

Naquele que ficará como um dos seus melhores livros, António Mota (que se tem dedicado, sobretudo, à ficção narrativa para crianças e jovens) logrou atingir um grau de simplicidade e contenção expressivas que tornam estes textos um instrumento ideal para a iniciação poética dos mais pequenos.

Uma referência final às ilustrações de Carla Nazareth que, como as de João Tinoco na primeira edição (Caminho, 1996), complementam na justa medida, com cores fortes mas sem excessos de decorativismo, a poesia dos textos.

José António Gomes

NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)