terça-feira, 24 de março de 2009

Mensagem do 2 de Abril de 2009 | Dia Internacional do Livro Infantil

Eu sou o mundo

 

Eu sou o mundo e o mundo sou eu,

porque, com o meu livro,

posso ser tudo o que quiser.

Palavras e imagens, verso e prosa

levam-me a lugares a um tempo próximos e distantes.

 

Na terra dos sultões e do ouro,

há mil histórias a descobrir.

Tapetes voadores, lâmpadas mágicas,

génios, vampiros e Sindbades

contam os seus segredos a Xerazade.

 

Com cada palavra de cada página

viajo pelo tempo e pelo espaço

e, nas asas da fantasia,

o meu espírito atravessa terra e mar.

 

Quanto mais leio mais compreendo

que com o meu livro

estarei sempre

na melhor das companhias.

 

Hani D. El-Masri

Tradução: José António Gomes

 

Hani D. El-Masri

Ilustrador e profissional de cinema, nascido no Cairo, Egipto, em 1951, Hani El-Masri foi educado pelos Jesuítas, tendo mais tarde ingressado no Colégio de Belas Artes do Cairo. Emigrou para os Estados Unidos aos trinta e cinco anos. Ali, entrou para a Walt Disney Imagineering, em 1990, onde trabalhou como desenhador conceptual durante cinco anos. Na Imagineering, participou em projectos como o Disneyland’s ToonTown, o Disneyland’s Critter Country de Tóquio, o Museu Infantil de Baltimore, e o Arabian Coast do recentemente inaugurado Tokyo Disney Seas. Em 1995, Hani trabalhou como artista de desenvolvimento visual de projectos na película de animação O Príncipe do Egipto, assim como em A Estrada para El Dorado e Spirit: o corcel indomável. Mais tarde, trabalhou na película Osmosis Jones. Regressado ao Egipto, dedica-se, desde 2005, à realização da sua própria versão para crianças de As mil e uma noites, em forma de livro. Foi premiado como melhor ilustrador pela saga de Xerazade no prémio Suzanne Mubarak, outorgado pelo Egyptian Board on Books for Young People (EBBY).

A Mensagem do Dia Internacional do Livro Infantil é uma iniciativa do IBBY (International Board on Books for Young People), difundida em Portugal pela APPLIJ (Associação Portuguesa para a Promoção do Livro Infantil e Juvenil), Secção Portuguesa do IBBY.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Recordar Leonor Praça e o seu álbum Tucha e Bicó

Originalmente editado em 1969, como o primeiro volume da colecção de O Século «Pim-Pam-Pum», e, posteriormente, alvo de reedição na Plátano, numa colecção dedicada a Leonor Praça, onde se incluem obras marcantes como Rama, o Elefante Azul (1970), de Isabel da Nóbrega ou O Veado Florido (1972), de António Torrado, Tucha e Bicó (1969) constitui um marco relevante no panorama literário português no que ao público infantil diz respeito.

Desde logo, pela filiação no género do álbum narrativo, praticamente desconhecido em Portugal naquela altura, mas que, na Europa e nos Estados-Unidos, exactamente nesta época, ia revelando todas as suas potencialidades. Mas também pela dimensão lúdica que percorre o livro, centrado nas actividades levadas a cabo por duas crianças de 3 e 4 anos, com especial destaque para os brinquedos e as brincadeiras, os passeios e as férias, a escola e a família e que influenciará criadoras como Maria Keil e Manuela Bacelar.

Destinada a leitores muito pequenos, a narrativa é protagonizada pelos dois irmãos que emprestam o nome ao livro, e narrada pela menina, dando conta, num discurso de primeira pessoa, assumidamente infantil, da realidade vivida pelas duas crianças, com especial atenção para a vida familiar, as suas rotinas e actividades marcantes. Promovendo a identificação por parte dos leitores, que se reconhecem no universo recriado, assim como nas personalidades dos dois pequenos irmãos, o livro estimula a observação das imagens e a forma como elas completam um texto marcado pela brevidade, simplicidade e contenção. Caracterizado pela sequência de frases afirmativas que, a cada virar de página, se vão sucedendo, o texto não apresenta uma estrutura narrativa de tipo tradicional. Aliás, isento de conectores de qualquer tipo que esclareçam relações de sentido ou de causalidade entre as afirmações, o texto caracteriza-se, por esse facto, por uma certa aproximação ao discurso infantil, linear e aditivo, obrigando o leitor à realização de inferências de modo a estabelecer ligações semânticas e sintácticas entre as frases, criando, assim, nexos de lógica. Em alguns casos, a cumplicidade entre o texto e as imagens é tal que os deícticos, como é o caso do determinante demonstrativo «estes», apontam para a mensagem pictórica e, logo, extratextual.

Actuando em complemento do texto, as ilustrações não só pormenorizam a informação que ele disponibiliza como, em alguns casos, colaboram no preenchimento dos espaços em branco que ela integra, condicionando, pelo menos em parte, a leitura. Veja-se, por exemplo, o caso da frase «O meu irmão tem muitos brinquedos engraçados.» que, sem especificar de que tipo de brinquedos se trata, solicita uma resposta da imagem, identificando pelo menos alguns deles e orientando, desta forma, a interpretação do leitor.

Neste caso, como em outros, a leitura realizada resulta, como o mostraram Lawrence Sipe ou Maria Nikolajeva, do cruzamento de informações oriundas de duas linguagens distintas, actuando em relação sinérgica e potenciando-se mutuamente. O final do álbum exige o mesmo tipo de inferências. A afirmação «À noite estamos cansados de brincar… Boa noite!», com que o livro termina, não só conclui uma longa enumeração de actividades realizadas pelas duas crianças, como permite perceber, também com a colaboração das imagens que representam os dois irmãos em trajes de noite, que chegou a hora de dormir, parecendo, deste modo, fechar um ciclo de acção com o necessário descanso. Estimula, além disso, uma certa sugestão dialogal com o leitor, activamente implicado pela fórmula de despedida com que o livro encerra, marcando o fim da leitura e da história, mas também o fim do dia e da agitação que o caracteriza.

Com recurso a uma técnica muito simples, baseada no desenho do contorno e no preenchimento, a cor, talvez com caneta de feltro, dos espaços, a ilustradora explora as sugestões de expressividade sugeridas pelos rostos e posturas das personagens, ao mesmo tempo que joga com padrões e motivos cromaticamente muito fortes, como os fundos e as grandes manchas, criando contrastes visualmente muito apelativos, mas mantendo a sugestão de ingenuidade que também caracteriza o texto.

Precocemente desaparecida, vítima de doença, aos 34 anos de idade, Leonor Praça é ainda responsável pela ilustração, nas edições Europa-América, de duas obras de Alves Redol, A flor vai pescar num bote (1968) e A flor vai ver o mar (1968), assim como pelas imagens dos já mencionados livros de Isabel da Nóbrega e António Torrado ou ainda de A Maria Bé e o finório Zé Tomé (Plátano, 1974), de Manuel Ferreira. A pintora, nascida no Porto em 1936, estreou-se, com uma exposição individual, em 1949 e participou em numerosas exposições colectivas tendo deixado parte significativa da sua obra inédita.

 

Ficha bibliográfica

 

PRAÇA, Leonor (1969). Tucha e Bicó, Lisboa: O Século, col. Pim-Pam-Pum (nº 1)

 

Ana Margarida Ramos

Universidade de Aveiro;

membro associado do NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)

sábado, 21 de março de 2009

Dia Mundial da Poesia – Violeta Figueiredo

Autora de Fala Bicho (Caminho), O Gato do Pêlo em Pé (Caminho), Portas (Porto Editora) e Portões (Porto Editora), entre muitos outros títulos, Violeta Figueiredo é uma das vozes mais originais da nossa poesia para a infância.

Por isso, neste Dia Mundial da Poesia, propõe-se a leitura de dois poemas da autora, inéditos em livro, mas publicados no seu blogue http://violetafigueiredo.blogspot.com/ que convidamos os leitores de A Inocência Recompensada a visitar.

 

 

NO QUINTAL AO MEIO-DIA

 

No quintal ao meio-dia
não são as nêsperas frescas
que atraem vespas,
são as nêsperas do chão.
Por serem doces caíram,
foram tocadas pelo Verão.

 

ASSIM-ASSIM

 

Metido entre Muito e Pouco,
Assim-Assim nunca sabe
quanto lhe cabe.

sábado, 7 de março de 2009

Peter Pan: a infância imperecível

Peter Pan é um daqueles livros que aparentam guardar em si uma indefinível energia, um segredo imperscrutável, como se alguma coisa neles se furtasse ao bisturi da leitura crítica e reclamasse, antes, uma adesão afectiva sem reservas. E não é de admirar, se atendermos ao profundo enraizamento deste mundo ficcional em algumas das experiências mais comuns e densas da existência humana. Trata-se de uma história sempre actual, sobre a euforia da meninice, a relação entre filhos e pais, a dicotomia dependência vs. autonomia. E uma outra tensão emerge: por um lado, a perda da infância, por outro, a resistência a essa perda ao longo da vida. A este propósito, leia-se o diálogo das últimas páginas, em que Wendy, já adulta, rememora nostalgicamente as atribuladas aventuras vividas com Peter e os Rapazes Perdidos, na Terra do Nunca – essa mítica ilha povoada de fadas, piratas, sereias e peles-vermelhas:

«– Aqueles belos dias em que eu sabia voar!

– Por que não podes voar agora, mãe? [– perguntou a filha, Jane.]

– Porque sou crescida, querida. Quando as pessoas crescem esquecem-se.

– E porquê?

– Porque já não são alegres, inocentes e descuidadas e só os que são assim sabem voar.

– O que são os alegres, inocentes e descuidados? Quem me dera ser assim!» (Peter Pan. Lisboa: Dom Quixote, 1989, p. 197).

Trata-se de um livro tão perene, afinal, como o próprio herói, Peter Pan, a eterna criança, sem mãe e quase sem memória, que se recusa a crescer e a tornar-se homem.       

Do autor – o escocês James Matthew Barrie (1860-1937) – se pode dizer que era um escritor eminentemente popular, com uma intensa relação com a mãe, e cuja trajectória o conduziu do jornalismo à publicação de romances de sucesso e à literatura dramática, à qual se dedica quase por inteiro a partir de 1901, após o casamento com a actriz Mary Ansell.

A comunicabilidade de uma escrita coloquial, sempre disponível para o humor e a ironia, e que sabe divertir e divertir-se com o próprio jogo da ficção e da narração, além da habilidade para conceber episódios e encontrar formulações que possuem o dom (releve-se o intencional lugar comum) de «falar ao coração» e à memória íntima de cada leitor ou espectador médio – eis um par de ingredientes que concorreram para o sucesso público da obra de Barrie. Êxito comum, acrescente-se, a outros autores de pouca erudição mas idêntico talento, como o dinamarquês Hans Christian Andersen (de quem se celebrou em 2005 o segundo centenário do nascimento). Vieram favorecer tal sucesso as numerosas adaptações dramatico-musicais e cinematográficas de Peter Pan: uma fita muda em 1924, um admirável filme de animação saído dos estúdios da Walt Disney em 1952, e uma comédia musical em 1954 (mais tarde transposta para os ecrãs de televisão), entre outras adaptações – isto sem falar da sequela Hook (1991), de Spielberg.

A tentação de adaptar Peter Pan ao cinema prende-se com a visualidade de muitas cenas e o seu potencial em termos de espectáculo, mas também com o suspense, a sucessão de lances dramáticos e, sobretudo, com a forma primitiva do próprio texto. É que este começou por ser uma peça, levada à cena com êxito em Londres, no ano de 1904; mais tarde foi reposta com novos actos e cenas, e finalmente recontada em livro, sob a forma de uma narrativa, em 1911, com o título Peter and Wendy. Em 1928, a peça teatral seria enfim publicada, existindo hoje estudos sobre este longo processo de escrita, encenações sucessivas e reescrita.

Juntamente com as obras de Edward Lear (em especial os limericks de The Book of Nonsense, 1846, e outros títulos) e ainda as de Lewis Carroll (as Alices de 1865 e 1872) e Robert Louis Stevenson, a narrativa de James M. Bar­rie – não obstante a sua originalidade – inscreve-se numa linha que se traduz em produções poéticas e narrativas caracterizadas ora pelo nonsense, o fantástico e o «irracional», ora pela sátira e o culto da aventura sem limites, deixando para trás o racionalismo vitoriano. Sem menosprezar as consideráveis diferenças existentes entre as diversas obras e respectivas matrizes culturais e visões do mundo e da infância, registe-se que Peter Pan ombreia, por outro lado, com esse punhado de livros de primeira água que a segunda metade do século XIX e o princípio do século XX legaram à infância e à juventude, e no qual avultam títulos como As Aventuras de Tom Sawyer (1876) de Mark Twain, As Aventuras de Pinóquio (1883) de Collodi, e A Ilha do Tesouro (1883) de Stevenson – obra onde Barrie foi beber elementos diversos, em especial no tocante à caracterização dos piratas.

Clássico da literatura tout court – e não só da chamada literatura para crianças –, o livro de Barrie mantém intacto o poder de surpreender e comover leitores de todas as idades e latitudes. Recorde-se outro passo do último capítulo: «[Wendy] passou as mãos pelo cabelo daquele rapazinho trágico [Peter]. Já não era uma rapariguinha de coração desfeito por ele, mas uma adulta sorrindo de tudo aquilo, embora com um sorriso molhado.» (p. 200)

Peter Pan, a fada Sininho, o Capitão Gancho e a pequena e maternal Wendy continuarão certamente a povoar os sonhos de muitas crianças. Mas também daqueles adultos que se recusam a inumar a sua própria infância, mantendo viva essa idade de todos os possíveis que, mesmo quando idealizada, os continua a impelir para a aventura e a mudança.           

 

 

José António Gomes

NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)

domingo, 1 de março de 2009

Versos Diversos para Meninos Travessos, de Maria Rosa Colaço

Colectânea de quase três dezenas de composições poéticas de Maria Rosa Colaço, este livro percorre algumas das linhas de força da produção literária da autora, precocemente desaparecida em 2004, com especial relevo para a valorização de uma dimensão da infância nem sempre conotada com a alegria e a felicidade. Assim, muitos poemas dão voz a uma certa imagem magoada e dorida da infância com a qual o sujeito poético se solidariza. Mas os poemas não se resumem à constatação das dificuldades (incluindo a fome e a pobreza), nem à sua denúncia. De alguns deles, sobretudo aqueles onde surgem os motivos da arte, da poesia e também da escola, ressuma uma esperança renovada no futuro e nas novas gerações, em resultado, por exemplo, do acesso à educação e ao afecto. Percorridos por eixos temáticos que se estendem também aos textos em prosa da autora, veja-se o caso da novela Gaivota (Caminho, 1989), os poemas aqui agrupados são devedores de uma certa influência neo-realista que configura, se não uma literatura de intervenção, pelo menos, uma produção despertadora das consciências. Atenta à realidade social urbana, em particular a da margem sul do Tejo durante décadas particularmente difíceis, a autora distingue-se por recriar, com subtil lirismo, cenários e ambientes marcados pela degradação e pelo abandono afectivo onde a criança surge como elemento central.

Outra vertente relevante desta colectânea reside na forma como os textos reflectem o olhar infantil, inaugural e deslumbrado, perante as maravilhas, mesmo as mais pequenas e aparentemente insignificantes, da Natureza, como é o caso do bichinho de conta, a estrela do mar, a lagarta ou a pacatez do burrinho, o pirilampo ou a joaninha. Os brinquedos e as brincadeiras tradicionais suscitam, no acto contemplativo do sujeito poético, assumidamente adulto, reflexão sobre a inocência infantil e a ingenuidade dos sonhos que se jogam nessas actividades.

Com influências de uma certa lírica tradicional, os textos caracterizam-se pelo recurso à quadra, à redondilha e à rima cruzada, verificando-se, igualmente, uma certa proximidade com as canções de roda e com as rimas infantis, sobretudo em textos dialogados, marcados por um ritmo e uma melodia muito particulares.

As ilustrações que, regularmente, vão pontuando os textos, dão corpo e forma a alguns dos motes poéticos centrais da publicação, sublinhando a subtileza do volume. A merecer leitura atenta, esta colectânea ilustra bem o talento de uma das autoras mais relevantes da literatura portuguesa para a infância da segunda metade do século XX.

 

Ficha bibliográfica

 

Maria Rosa Colaço (texto) e Isabel Paiva (ilustrações). Versos Diversos para Meninos Travessos. Odivelas: Europress, 1994, colecção Índio Maluco, ISBN 972-559-174-7

 

Ana Margarida Ramos

Universidade de Aveiro e membro associado do NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)