No prefácio à sua antologia de Os Melhores Contos Populares de Portugal (Rio de Janeiro, 1944), Luís da Câmara Cascudo define os «contos etiológicos» como histórias que «explicam a peculiaridade morfológica de um animal, a forma de uma árvore, o aspecto de um monte».
Lembrar-se-á o leitor mais atento de uma deliciosa colectânea de Contos do Tio Porquê, de origem africana, publicada, em 1978, pelas Edições 70? O que o livro As Cores dos Animais, de Michael Rosen (um dos mais populares poetas e autores de narrativas para crianças do Reino Unido), propõe é, justamente, uma série de nove contos etiológicos, muitos dos quais nos trazem à memória as histórias do tio Porquê. Aqui, porém, surge mais nítida a vinculação de tais narrativas a mitos ancestrais de várias regiões do mundo, explicando-se, de modo fantasioso, as razões da coloração que determinados animais apresentam.
Tomemos o sexto conto como exemplo. Aí se narram as desventuras do leopardo, que é vítima da sua arrogância perante o leão. Este envolve-se em combate com aquele arrancando-lhe bocados. Antes de ser morto pelo leão, o leopardo foge, «até que encontra um charco de lama fresca. Com as patas apanha bocados de lama e (...) mete-os nos buracos que o Leão lhe fizera (...) até não haver quaisquer vestígios. (...) Tudo ficou bem com o Leopardo, mas agora a sua pele está malhada para sempre» (p. 32).
No livro, é possível encontrar breves contos do mesmo tipo, originários de várias regiões, acerca do coiote (Estados Unidos), dos peixes voadores (Nova Guiné), da rã (Itália), do tigre (China), da brolga (Austrália), do leopardo (Libéria), do pavão (Índia), do grou (Uganda) e do jaguar, do puma e da cobra (Bolívia e Paraguai). Um útil apêndice final informa sobre as raízes míticas e históricas destes contos, cujas fontes bibliográficas são, por sua vez, referenciadas no início da obra.
Recolhidas a partir dessas fontes (essencialmente colectâneas de narrativas da tradição oral), as histórias foram recontadas pelo escritor inglês Michael Rosen e bem ilustradas por John Clementson. O arranjo gráfico é excelente e integra, de modo feliz, título, texto e ilustração.
A tradução merece, contudo, reparos, considerando a pobreza estilística de certos segmentos do texto português. Acresce que a revisão do mesmo denota, igualmente, alguma desatenção. É pena, já que um livro tão interessante, tanto pelo texto como pela ilustração, reclamava, neste aspecto, um cuidado especial.
Ficha bibliográfica
As Cores dos Animais (How the animals got their colours)
Michael Rosen (texto); John Clementson (ilustração)
Lisboa: Editorial Notícias, 1992 (sem indicação de tradutor)
José António Gomes
NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)