Antonio García Teijeiro viria ainda a ganhar a mais prestigiada distinção dedicada ao livro infantil e juvenil no estado espanhol: o Prémio Nacional de Literatura Infantil e Juvenil, pelo seu livro Poemar o mar (2016), obra poética de insinuante musicalidade e diversidade compositiva, bem enraizada na cultura galega, com a qual encerra a sua trilogia de temática marítima/marinha, iniciada com Palabras do mar (Edicións Embora, 2015). As belas ilustrações de Poemar o mar são de Xan López Domínguez e a chancela é a das Edicións Xerais de Galicia, de Vigo – cidade onde o escritor vive e compõe os seus versos, marcados pela vizinhança com a ria e com o gigantesco porto pesqueiro.
García Teijeiro exprime-se ora em galego (idioma preferencial, pois estamos perante um galeguista convicto) ora em castelhano, e é, portanto, um poeta do mar, da música (uma das suas paixões) e da paz, e um cultor também duma ecopoética que não se exime de denunciar as ameaças que pendem sobre o ambiente e o planeta. (Aceite-se, a este propósito, um convite à escuta do grande cantautor Paco Ibañez, que musicou poemas de García Teijeiro, como “Pomba” e “Que ocorre na Terra”. Sobre Paco Ibañez, sugere-se a leitura de um artigo publicado em A Inocência Descompensada).
Mas o poeta revela-se também como um explorador da dimensão lúdica e visual das palavras e do texto, e como um pedagogo da sensibilidade humana e artística – no sentido nobre da palavra pedagogo –, em especial nos seus livros de versos para a infância.
Assim ocorre em outros volumes, como Paseniño, paseniño (Xerais, 2018), acompanhado de um CD musical com poemas recitados pelo autor. Uma obra não apenas para os mais pequenos, mas para todos, que conquista igualmente pela qualidade poética e plástica das ilustrações de Marcos Viso. Outro exemplo é Caderno de fume (Edicións Embora, 2018), com boas ilustrações de Leandro Lamas, também para a infância, que explora poeticamente o motivo do fumo e o seu potencial em termos de alargamento do imaginário e de sensibilidade à materialidade da palavra – questões essenciais na educação poética.
Muito desafiante é também outro livro, este escrito em castelhano, para jovens adultos e adolescentes, cujo título é todo um programa: Escritos en el viento: Narraciones y poemas en torno a Dylan (Verbum, 2017). Trata-se de uma parceria com o escritor catalão Jordi Sierra I Fabra (outro melómano), na qual alternam textos narrativos breves e poemas que, de algum modo, comentam as composições do autor de “Blowin’ in the wind”, as tomam como motes e prestam tributo a Dylan. Assinale-se que já os livros infanto-juvenis Petando nas portas de Dylan (2007) e Recendos de aire sonoro (2011) se inspiravam,respectivamente, na música do compositor/intérprete de Nashville Skyline e na dos Beatles, de Beethoven e doutros vultos; e registe-se que Queda a música (2013) tem a expressão musical como elemento inspirador/propulsor. Em suma, e como se observa, García Teijeiro escreve por ciclos, sendo que cada ciclo se encontra na origem, por vezes, de mais do que um volume. É possível, assim, falar do ciclo do mar, do ciclo da música, etc. Dentro de cada ciclo, as estruturas formais são variadas, podendo ir do poema de feição estrófica e rimática tradicional à composição em verso livre, segmentada de modo peculiar, passando pelo haiku. Um exemplo desta última forma: “Num baloiço, / vaivém de notas loucas, / riem as crianças.” (As Coisas que Faz o Mar, p. 42, em tradução de João Manuel Ribeiro).
Já em Poesia cromática (Belagua, 2017), é proposto um livro singular de poesia e pintura (a de Xulio García Rivas), em princípio destinado a um público adulto: García Teijeiro escreveu poemas a partir dos quais García Rivas pintou; em seguida, a pintura desencadeou nova escrita e esta, por sua vez, nova pintura. O resultado é uma sugestiva aventura poética e visual, até por nela se integrar a caligrafia do poeta, pois cada um dos poemas surge também em forma manuscrita, nas páginas ilustradas.
Foi com base em dezassete dos livros de poemas para a infância e a juventude publicados por Antonio García Teijeiro que o escritor e editor João Manuel Ribeiro organizou As coisas que faz o mar (Trinta por Uma Linha, 2018), assinando ainda a tradução para português. A ilustração da capa é de Xan López Domínguez, a contracapa ostenta uma bela fotografia do poeta, e a selecção começa com versos mais recentes (de Poemar o mar, 2016) e termina com uma amostragem dos mais antigos (de Versos de Auga, 1989). Um curto exemplo retirado de Palabras do mar com o título “Cintilações do mar” (p. 31):
O mar
não tem paredes.
Por isso agarra-se ao horizonte.
Cruza
um barco
em silêncio
as veias
do mar.
A lua galopa
sobre o mar.
Cavalo de cristal.
Invisível.
Golfinho de luz. (…)
A selecção é bastante representativa das linhas de força da poética de García Teijeiro, a edição visualmente cuidada, e a tradução para português a partir do galego, por incrível que pareça (dada a aparente proximidade dos dois idiomas), nem sempre se revela fácil, como comprovam várias das soluções encontradas. Por outro lado, oxalá uma segunda edição permita à editora corrigir as incómodas gralhas patentes no texto, como as que se detectam, por exemplo, nas pp. 42, 61, 64, 69, 70, 74, 77, 84, 86.
Em boa hora é possível ler Antonio García Teijeiro e a sua poesia em português. E em boa hora se vem juntar à plêiade de escritores com títulos de literatura galega para a infância e a juventude já publicados na nossa língua, como Manuel María, Agustín Fernandez Paz, Xabier Docampo, Manuel Rivas, Fina Casalderrey, Marilar Aleixandre, Miguel Vázquez Freire, Marina Mayoral e outros.
Vale a pena referir, por último, que García Teijeiro mantém um interessante blogue de literatura e música, escrito em língua galega, e muito recomendável: Versos e aloumiños. Este blogue foi criado pelo filho de García Teijeiro, Antón García-Fernández – professor de língua, cultura e literatura espanholas na Universidade de Tennessee Martin (USA) e outro amigo da cultura portuguesa de que é grande conhecedor. García-Fernández, melómano como o seu pai, alimenta duas paixões: o fado e o jazz clássico.
Recomendem-se, por isso, visitas atentas e assíduas aos blogues que criou (mantidos com a sua companheira Erin García-Fernández), dos mais documentados que conhecemos, nas respectivas áreas: “Guitarras de Lisboa”, “All this is fado” e ainda “Jazz flashes”.
Em suma, Antonio García Teijeiro e Anton García-Fernandez: dois homens de cultura, dois homens do mundo que Portugal deve prezar.
José António Gomes
CIPEM | INET-md e IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Porto