quinta-feira, 30 de julho de 2020

Ema e a Estrela Carente, de Sérgio Almeida


Quatro anos depois de O Elefante Que Não Sabia Voar, ilustrado por Alberto Faria  e editado pela Caminho das Palavras em Abril de 2016, Sérgio Almeida traz a lume o seu segundo livro infanto-juvenil, Ema e a Estrela Carente (2020), com a chancela da Mosaico de Palavras e ilustrado por Carla Monteiro. 

Jogando com a expressão «estrela cadente», o título sugere, de imediato, uma história centrada no mundo dos afectos e na esfera cósmica, e a obra, pela sua extensão, aproxima-se da de uma novela de preferencial destinatário infantil, estruturada em cinco partes, cada uma dividida em vários capítulos, com excepção da última.

 

Atentemos noutros elementos peritextuais: a dedicatória às filhas do autor (Ema e Eva), «fontes de inspiração. E transpiração» (p. 3); e a sinopse da contracapa, de que nos socorremos para sumariar o enredo: «Ema é uma menina de 9 anos movida a sonhos e curiosidade.» Por muito que os pais e a professora lhe recomendem que deixe de estar com a cabeça nas nuvens e se concentre nos estudos, «a sua inquietude fala sempre mais alto. Numa noite em que o sono teimava em não vir, a jovem descobre uma estrela que, pelo movimento e luminosidade constantes, parece querer comunicar com ela. Quando decifra que a estrela está perdida na imensidão do céu, resolve ajudá-la na hora. Conseguirá Ema fazer com que a sua pequena nova amiga encontre o caminho de casa?»

 

A sequência das acções – contada por um narrador heterodiegético cujo discurso mantém, do princípio ao fim, um registo de recorte coloquial, tirando partido humorístico de diversas expressões – responde, no essencial, à pergunta colocada na sinopse. E a história, explorando uma via entre o fantástico e o onírico, e desembocando num final feliz, faz contracenar uma figura humana, Ema, e várias personagens astrais: as estrelas Ester («brava, voluntariosa e leal», p. 14), Genoveva (a personagem disruptora, marcada pelo oportunismo e qualificada como difusora de boatos e «metediça», acabando por perder no seu conflito com Ester), Dona Polar, «líder da constelação» (p. 9), o Senhor Sol, a Dona Lua (com uma superfície «abundante em queijo», p. 15), além doutras figuras secundárias, umas cósmicas outras terrestres.

A convergência de Ema e Ester – atente-se na presença da mesma inicial nos nomes – é um encontro maturativo de egos, um tanto solitários mas caracterizados pela bondade e pela preocupação com o outro, encontro esse que permitirá coroar de êxito o percurso da pequena estrela, ela própria com algo de infantil mas em processo de amadurecimento, como a sua amiga da Terra. 

 

Talvez os traços principais desta tessitura narrativa sejam, além dos valores positivos que tematiza e do modo como procura trabalhar o mundo interior das personagens principais, o assumido retardamento do tempo narrativo, num jogo de pequenos avanços seguidos de pausas a permitir explorar certo suspense, na tentativa de gerar expectativa no leitor.

 

Pontuado, aqui e acolá, por elementos intertextuais, que, de modo simples mas oportuno, ora convocam Camões, Afonso Lopes Vieira, Pessoa, ora Kant, Roger Penrose, Huber Reeves, Daniel Casanave, Stephen Hawking ou a história do Código Morse, este livro de Sérgio Almeida, confrontando o leitor com uma personagem infantil que ama os livros, e que, não por acaso, é também uma mente criativa e inventora (fazendo uso, evidentemente, da Internet e das novas tecnologias mas também do raciocínio), não deixa de constituir uma exaltação despretensiosa mas bem necessária, hoje e sempre, da aventura do conhecimento, da leitura, da curiosidade: «Do que Ema gostava mais nos livros era da sua liberdade sem fim. Retirava um qualquer da estante, aspirava o seu cheiro (sim, cada livro tem um cheiro próprio!), lia uma passagem cuidadosamente selecionada pelo acaso e esperava um micronésimo de segundo. Tanto bastava. Se a frase lhe fizesse cócegas no cérebro, continuava a leitura. Caso contrário, abria outro livro e repetia o processo as vezes que fossem necessárias» (p. 35).

 

Pequeno livro revelador duma especial atracção pela astronomia e pelo desafio de construção de mundos ficcionais a partir da realidade cósmica, Ema e a Estrela Carente não deixa, à sua escala, de trazer à memória todo um punhado de obras, muito diversas umas das outras, mas ligadas a um mesmo imaginário, a que pertencem clássicos das leituras infanto-juvenis como Da Terra à Lua (1865), de Jules Verne, ou O Principezinho (1943), de Antoine de Saint-Éxupéry, e textos contemporâneos como a peçazinha História Breve da Lua (1981), de António Gedeão, o conto ilustrado O Elefante Cor de Rosa (1974), de Luísa Dacosta, ou ainda os poemas de Pó de Estrelas (2004), de Jorge Sousa Braga.

 

Uma palavra final para recordar que, sendo jornalista e promotor cultural, Sérgio Almeida nasceu em Angola (Luanda), em 1975, e é autor dos livros, de preferencial destinatário adulto, Análise Epistemológica da Treta(contos, 2003), Armai-vos Uns aos Outros (novelas, 2004), Não Conto (contos, 2016), Cartas a um Jovem Ladrilhador (2016), Como Ficar Louco e Gostar Disso (poesia, 2004), Ob-Dejectos (prosa poética, 2005), Lemon, uma Viagem para a Felicidade (2019) e Periferia (poesia, 2019). Coordenou ainda o volume Poesia Traduzida de Luiza Neto Jorge (2016).


José António Gomes

 

IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Porto