O fim da Censura, a livre expressão e circulação de ideias e
a abertura de Portugal ao exterior favorecem o aparecimento de iniciativas de
reflexão sobre o mundo da criança, a par de alguma renovação na literatura que
lhe é destinada – resultante, até certo ponto, da possibilidade de publicar em
clima de liberdade. Recorde-se ainda que 1974 foi proclamado Ano Internacional
do Livro Infantil, que em 1979 se celebrou o Ano Internacional da Criança e
que, entre finais da década de setenta e o início dos anos noventa do século
XX, se assistiu a um boom da
literatura para crianças e jovens em Portugal – graças também a editoras como
Horizonte, Caminho, ASA, Plátano, Verbo, Porto Editora, Ambar –, seguindo-se na
primeira década do século XXI o boom
do álbum narrativo e da nova ilustração portuguesa, para o qual contribuíram
editoras como Planeta Tangerina, Orfeu Mini/Orfeu Negro, Gatafunho, Kalandraka,
OQO, Caminho, Bruaá, Bags of Books, etc.
Mencionemos outros factores que favoreceram o
desenvolvimento desta área da criação: a introdução do estudo da literatura
para a infância nas Escolas do Magistério Primário e, mais tarde, nas Escolas
Superiores de Educação dos Institutos Politécnicos e em algumas Universidades;
o desenvolvimento da investigação nesta nova área dos estudos literários; o
número crescente de colóquios, simpósios e acções de formação sobre o livro
infantil e juvenil; as exposições de ilustração e os encontros sobre promoção
da leitura e sobre a arte de contar; o arranque da Rede de Bibliotecas
Escolares, em 1996, e do Plano Nacional de Leitura, em 2006. Os prémios de
texto e de ilustração, atribuídos por entidades estatais, autarquias, editoras e
outras entidades vieram contribuir para a dinamização da criação. Encontraram-se,
assim, condições para um fôlego renovado, num ambiente de liberdade e num
contexto em que cresceu o número de realizações de vária ordem, relacionadas
com o universo da criança e com os seus direitos.
Escrever para a infância e a juventude em clima de liberdade
implicou, naturalmente, a aproximação gradual a temas que se encontravam
arredados da produção literária ou eram tratados de modo menos directo. A
emigração (Carlos Correia, Maria Isabel de Mendonça Soares, Jorge Colombo), a
diferenciação social e a pobreza (releiam-se os contos de Ilse Losa e Matilde
Rosa Araújo), as problemáticas da defesa do ambiente (Ilse Losa, Sidónio
Muralha, Papiniano Carlos, Maria Alberta Menéres, Natércia Rocha, José Jorge
Letria), da discriminação racial e da multiculturalidade (Luísa Ducla Soares,
Ana Saldanha), os conflitos familiares psicológica e socialmente
contextualizados, bem como os chamados temas fracturantes (Alice Vieira, Ana
Saldanha, Maria Teresa Maia González) começam a ser abordados com insistência nos
livros infantis e juvenis. Registe-se, no entanto, que o tratamento de alguns
destes temas é, simultaneamente, reflexo da própria evolução da sociedade que a
literatura não deixa de acompanhar. O pós-25 de Abril permitiu, por outro lado,
o desenvolvimento das obras de escritores de notável qualidade como Ilse Losa, Sidónio
Muralha, Mário Castrim, Matilde Rosa Araújo, Manuel António Pina, António
Torrado, Maria Alberta Menéres, Luísa Dacosta, Luísa Ducla Soares e a afirmação
de outros que abriram os campos temático e dos géneros (Letria, Álvaro
Magalhães, António Mota, Ana Saldanha, José Fanha, Vergílio Alberto Vieira,
Violeta Figueiredo, José Vaz). Lembre-se, por exemplo, o desenvolvimento da
poesia, mas também da narrativa para pré-adolescentes e adolescentes (com Alice
Vieira, António Mota, Álvaro Magalhães, Catarina da Fonseca, Ana Teresa
Pereira, Alexandre Honrado, Saldanha e outros), além da proliferação das séries,
maioritariamente de histórias de mistério e indagação (Ana Maria Magalhães e Isabel
Alçada, João Aguiar e tantos outros), tendência que desponta cerca de seis anos
após o 25 de Abril. Dos escritores mais jovens destaquem-se Francisco Duarte
Mangas, Nuno Higino, Rita Taborda Duarte, David Machado, Afonso Cruz, Carla
Maia de Almeida, João Manuel Ribeiro, Eugénio Roda e Isabel Minhós Martins – corresponsável
pelo sucesso dos álbuns da Planeta Tangerina, juntamente com os ilustradores
Bernardo Carvalho e Madalena Matoso. Álbuns que tiveram criadoras pioneiras em
Maria Keil e Manuela Bacelar, ilustradoras incontornáveis, no pós-25 de Abril. Para
outra oportunidade ficará a questão da ilustração e dos seus protagonistas ao
longo das últimas quatro décadas.
Inicialmente publicado em As Artes
entre as Letras, 120, 16-4-2014, p. 6 (republicado agora com pequenas
alterações).
José António Gomes
IELC | InEd – Escola Superior de Educação do Porto