Nascida em Belfast, em
1920, Elizabeth Shaw morreu em Berlim, em 1992, depois de ter vivido a maior
parte da sua vida na Alemanha de leste (antiga RDA: República Democrática da
Alemanha, 1949-1990) com o seu marido, o escultor e pintor suíço René Graetz.
Escreveu e ilustrou
numerosos livros – além de ter criado imagens para obras de outros autores (Mark
Twain, Erich Kästner, Astrid Lindgren, Bertolt Brecht, etc.) –, averbando no
seu currículo prémios de prestígio, além de trabalhos editados em vários países.
Escreveu ainda um livro de memórias: Irish
Berlin.
Inicialmente publicado em
Dublin, em 1985, A Ovelhinha Preta (1.ª ed. na Caminho em 1997; 3.ª em
2009) constitui a prova de que um álbum narrativo de qualidade, para
crianças pequenas, não tem de viver em exclusivo da quadricromia, da vertigem da
cor, do grande formato e da capa cartonada e luxuosa. De facto, no livro
de Elizabeth Shaw, essa qualidade não é incompatível com o preto-e-branco (ajustado,
aliás, ao sentido do conflito e à possível intencionalidade do texto), nem com
a simplicidade do traço e a dimensão do livro de bolso.
O título e o desenho da
capa indiciam, desde logo, o intuito de desmontar uma expressão-feita: a ovelha
negra do rebanho. As primeiras páginas, por sua vez, propõem uma reflexão sobre
uma ordem pouco legítima, representada por um cão-pastor autoritário. Obcecado
pela disciplina e agastado com a diferença que a ovelha introduz num rebanho de
animais brancos, o cão não hesita em queixar-se ao pastor: «– Aquela ovelha
preta não me obedece! (...) E pensa de mais! As ovelhas não precisam de pensar.
Eu penso por elas!» (p. 18).
Uma tempestade
providencial, durante a qual o pastor e o cão abandonam o rebanho, permitirá à ovelha
revelar autonomia e preocupação com o colectivo. Pela primeira vez, o grupo de
pares dispensa uma autoridade que lhe é estranha, pensa por si e o pastor
reforça a sua convicção de que uma ovelha negra é sempre útil. Além disso, com
a lã de duas cores, o homem vê aumentar o seu sucesso na venda dos cachecóis e
das meias que tricota, o que o leva a adquirir mais animais de cor preta: «Em
breve tinha um rebanho de ovelhas e carneiros brancos e pretos e malhados.» A
conclusão não se faz esperar: «Eram todos diferentes, e ainda bem porque agora eram
todos iguais.» (p. 52)
Apesar de óbvia, a
parábola impõe-se pela sua pertinência e actualidade, sem cair no maniqueísmo e
em excessos de moralismo. Traduzindo uma mensagem clara mas não impositiva,
despojado nos meios expressivos que utiliza, A Ovelhinha Preta pode ser
lido a crianças a partir dos cinco anos, tendo condições para constituir,
simultaneamente, um dispositivo pedagógico interessante numa educação para a
cidadania e para a aceitação activa da diversidade.
Os autores das Metas
Curriculares do Português para o Ensino Básico decidiram incluir este livro sobre
a diferença, o preconceito e a intolerância na lista de obras e textos para
iniciação à Educação Literária, no 1.º ano de escolaridade. Parece uma decisão acertada.
Em matéria de álbuns narrativos, acrescente-se, apenas um outro figura na lista:
A História de Pedrito Coelho (1902),
o clássico de Beatrix Potter.
Ficha
A Ovelhinha Preta
Elizabeth Shaw (texto e
ilustração)
3.ª ed., Caminho, 2009
Para saber mais sobre Elizabeth Shaw ver:
The Elizabeth Shaw Archive, http://www.artshaw.com/artshaw%20seiten/englisch/index_eng.htm
Para saber mais sobre René Graetz ver:
Kunstarchiv
Elizabeth Shaw & René Graetz, http://www.artshaw.com/artgraetz%20seiten/englisch/index_eng.html
José
António Gomes
IEL-C (Núcleo de Investigação em Estudos Literários
e Culturais) da Escola Superior de Educação do Porto