Presença e Significado de
Manuel António Pina na Literatura Portuguesa para a Infância e a Juventude (Lisboa: Gulbenkian / FCT, 2013), de Sara Reis da Silva, é um estudo de
leitura imprescindível a todos os investigadores, professores, estudantes do
ensino superior e outros estudiosos da literatura para crianças e jovens em
Portugal. Um estudo, acrescente-se, que os mediadores da leitura, em geral,
deveriam conhecer.
Principia a obra com uma pertinente revisão crítica da historiografia da
literatura infantil e juvenil portuguesa, à qual a autora acrescenta o seu
próprio contributo, centrando-se na produção editada entre os anos de 2001 e
2006 e tecendo assim o necessário enquadramento histórico-literário da obra de
Manuel António Pina – objeto principal de atenção no trabalho que nos é apresentado,
em bela edição, acrescente-se, com ilustração, na capa, de Francisco Vaz da
Silva.
Surge, em seguida, o estudo sobre Pina e a sua escrita para crianças e
jovens. Um estudo rigoroso e fundamentado que tem como pressupostos
metodológicos a dimensão da intertextualidade – pertinentíssima no caso em
apreço –, permitindo à autora evidenciar o seu fundo conhecimento de dezenas de
obras contemporâneas com as quais as de Pina fecundamente interagem, as
reflexões teóricas sobre o humor e o nonsense
na literatura – igualmente pertinente – e a questão da educação literária
(aborda-se o contributo da escrita de Pina para a conformação de uma
competência literária, aspeto de especial interesse para mediadores da leitura).
Deve-se, no entanto, acrescentar que outros pressupostos teóricos, além dos já
citados, presidem a esta leitura crítica multifacetada, fundamentando-a e
orientando-a de modo seguro. Registe-se, assim, a frequente convocação da
Teoria e da História da Literatura Infantil – com base em bibliografia credível
e atualizada, provinda de investigadores de diferentes latitudes linguísticas e
culturais –, os estudos teóricos sobre narratologia, sobre escrita dramática e
teatro e sobre ilustração, a teoria dos géneros, a Poética, a Retórica, a
Estilística.
Mas é sobretudo a capacidade analítica e hermenêutica de Sara Reis da
Silva o que ressalta da leitura deste livro, visto a sua abordagem dos textos
de Manuel António Pina ser sempre muito amadurecida e sedutora, quer ao nível
das perspetivas originais de interpretação que nos abre quer por efeito da
qualidade e da elegância da escrita da autora. Reconhece-se uma análise
atentíssima e coerente dos textos que nunca secundariza a sua condição de
objetos linguísticos e que nunca os encerra numa interpretação unívoca; e
surpreende, além do mais, a análise arguta das ilustrações que os acompanham e
iluminam, com frequentes pontes para a pintura (e esta leitura inter-semiótica
da imagem e do texto literário é um dos aspetos mais originais da obra).
Trabalho de minúcia e de absoluta seriedade intelectual, de devoção
crítica à obra de um escritor maior, a obra de Sara Reis da Silva não ignora as
abundantes reflexões teóricas que o autor de O Inventão produziu sobre literatura infantil e juvenil em particular
e a criação literária em geral, e sobre a relação da sua produção «para
adultos», chamemos-lhe assim, com aquela outra que as crianças também podem ler
– e isto para finalmente se concluir, a partir dos estudos de Sandra Lee
Beckett, que nos encontramos ante um exemplo paradigmático de crossover literature, de escrita de
receção transgeracional, que põe em causa as fronteiras entre livros para público
adulto e livros para crianças e jovens.
Diremos, a terminar: imperdoável não ler. E acrescentaremos: é reconfortante
saber que Manuel António Pina viveu o suficiente para conhecer o texto-base
desta investigação de fundo, canonizadora e conduzida com sensibilidade e
respeito pelos textos. Sem dúvida, uma das melhores homenagens que se pode
prestar a uma escrita absolutamente singular e à memória de um ser humano
inesquecível.
José António Gomes
NELA – Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto