A 20 de Maio, decorrerá, no Auditório Multimédia do Instituto de Educação da Universidade do Minho, um simpósio sobre a Obra de Vergílio Alberto Vieira, que, este ano, completa quarenta anos de vida literária (estreou-se, na poesia, em 1971, com o livro Na Margem do Silêncio). Organizado pela unidade curricular de Literatura para a Infância e Juventude (Instituto de Educação – Universidade do Minho) e a Tropelias & Companhia – Associação Cultural, o simpósio conta com a participação de José António Gomes, Ana Margarida Ramos, Sara Reis da Silva, João Manuel Ribeiro e as ilustradoras Teresa Lima, Marta Madureira e Anabela Dias, além do próprio autor homenageado.
Um bom pretexto, pois, para recordar aqui um dos seus livros de poesia para a infância.
Em O Livro dos Desejos, volume de título convidativo, cuja primeira edição data de 1994, ganha relevo a dimensão humorística que o autor ensaiara já em trabalhos anteriores, dirigidos ao público infantil, e que haveria de se reforçar em títulos editados posteriormente.
Patente em particular nos doze últimos poemas do livro, essa dimensão encontra expressão preferencial em textos – por que não denominá-los pequenos romances em verso? – cujos versos se organizam, quase sempre, em quintilhas. Acrescente-se que – como é usual na poesia dita para crianças – a rima tem aqui um papel primordial. Se a ela juntarmos a inclinação para o verso de redondilha maior ou menor (esta mais do que aquela) e o gosto pelo jogo de aliterações e assonâncias (que, em alguns casos, nos traz à memória Ou Isto ou Aquilo, de Cecília Meireles), teremos – no plano formal – os elementos básicos de uma poética que procura, a uma primeira aproximação, cativar a sensibilidade auditiva do leitor/ouvinte.
Do que atrás fica dito se depreende que, em O Livro dos Desejos, a narratividade se acentua, dando origem a historietas cuja ironia em relação aos poderosos não passa despercebida (leiam-se, por exemplo, «Os Reis Magros», «A Vingança do Chinês» ou «O último orangotango de Paris»). Outras vezes, organizados em quadras, encontramos textos curtos que não poupam a presunção dos deputados («O cavalinho presunçoso») nem o apego dos governantes ao poder («Os secretários de estrado» (sic)).
No avesso da caricatura e da irrisão, surge a exaltação de outros mundos: o canto e a arte de pintar, o tocador de flauta e o trapezista, a romãzeira e a passagem das estações... O discurso ganha, então, em intensidade lírica e confirma – pela expressão do desejo de amar, de reter uma beleza fugidia ou de contrariar o sentido do tempo – a justeza do título escolhido para a colectânea: «Em brilhos de escama / Desce, a truta, o rio. / P’ra tão nobre dama / Só proveito e fama / Lhe escapam por um fio. // Preso ao seu lugar / Fica um pescador, / Pensando que o mar / Se há-de enamorar / do seu esplendor.» (p. 27).
Se dúvidas houvesse, O Livro dos Desejos serviria, uma vez mais, para confirmar que existe, na literatura dita para a infância, um espaço para a expressão poética de qualidade.
Ficha
O Livro dos Desejos
Vergílio Alberto Vieira (texto) / Cristina Robalo (ilustrações)
5.ª ed., Caminho, 2010
José António Gomes
NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)