segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

O mau vento do senhor sargento




Abre-se o livro e lê-se a noite. E ainda de noite, entre arquitecturas, pequenos peixes – parecem tubarões – atravessam galerias, janelas – estaremos onde, no fundo do mar? Mas no fundo do mar não há gatos… 

Caras, o título conta-nos sobre o que é: a cara do senhor sargento, do senhor capitão, do senhor major, do senhor general, do senhor ministro, do senhor presidente, de sua majestade. 

Este é um livro que me fala de temperatura. A culpa é da ilustradora que faz da cor uso exímio. A culpa também é do formato do livro, que ocupa toda a latitude do olhar. 

Sombras, grandes planos, cor, vento, enquadramentos, ocultações, escadarias, arcadas, galerias, chuva, tempestade. Gafanhotos, coelhos, ratos, gatos, pequenos tubarões, andam sempre por ali.

Mas há uma história aqui. Um movimento. Quando o texto reage, as imagens entram em ebulição. 

Mas é uma ebulição muito suave (é o lado sensitivo da ilustradora). 

Chuva e sol acontecem, vê-se o arco-íris mágico ao longe. 

Uma barca que navega, flutua, cheia de festa e de alegria (os mandões foram finalmente expulsos). 

Estrelas cadentes (por fim). Pede um desejo, pois então! 

O texto-gatilho é um convite à insubmissão, à insubserviência e à coragem (por oposição ao medo): e enfrento (diz) a gravidade de todas as caras. 

O texto não perdoa e não quer sequer entender estas caras (não entenderá?). O que o narrador quer é enfrentá-las. 

Porque decidiu o autor escrever sobre elas? Porque são caras de lugares de poder? Porque são caras de pessoas que ocupam lugares de poder para maltratar os outros? Porque são caras que precisam de ser postas em causa? Porque são caras que atordoam e não deixam descansar? Porque são caras humanas, tão humanas como as nossas, e que por via do humano também se tornam terríveis? Porque o humano pode ser vendaval, vulcão, tempestade, sinistro. 

Mas o que é tenebroso pode ser vencido, pela coragem. 

 

Ana Biscaia, ilustradora e editora