Em tempos recentes recrudesceu o interesse dos escritores de literatura
para crianças e jovens pela tematização do 25 de Abril, depois de, nos primeiros
anos após a Revolução, ter existido certo silêncio sobre o assunto, cujas
razões, atribuíveis a circunstâncias diversas, não cabem no espaço desta nota. A
produção em causa fica sobretudo a dever-se às gerações de autores que, em
1974, contavam entre dezoito e cinquenta anos, como se, tantos anos decorridos
sobre essa data fulcral da nossa História do século XX e face aos retrocessos
do presente, se sentisse a necessidade de avivar memórias, lutar contra o
branqueamento de um passado iníquo, sublinhar o significado da Revolução bem
como a importância das suas conquistas: liberdade, democracia, possibilidade de
lutar pela justiça social. É que, ao contrário do que muitos julgam, a literatura
é sempre – além de tudo o resto que é o principal – um discurso ideológico.
Quando, em 2007, sob o pen name
de João Pedro Mésseder, publiquei Romance
do 25 de Abril, com ilustrações de Alex Gozblau, as minhas preocupações não
andavam longe das enunciadas. Escrevi-o em forma de romance tradicional em
verso (mais facilmente memorizável e dizível), recorrendo a uma alegoria (o menino
Portugal), dando a ver o contraste entre o antes e o pós-25 de Abril e
prestando, de passagem, tributo a alguns dos grandes cantores da liberdade: Jorge
de Sena, Sophia de Mello Breyner Andresen, Manuel Gusmão.
Matilde Rosa Araújo,
com História de uma Flor (1976), Carlos
Pinhão, com Bichos de Abril (1977), e Sidónio Muralha, com O Companheiro (1975), Catarina de Todos Nós (1979) e Terra e Mar, Vistos do Ar (1981),
foram dos primeiros a combater o esquecimento. Voltariam ao tema do antes e do
pós-25 de Abril Manuel António Pina com o notável conto O Tesouro (1993) e Mário
Castrim com O Caso da Rua Jau (1994). Deram continuidade a este
trabalho José Jorge Letria, em O 25 de
Abril Contado às Crianças e aos Outros (1999), Capitães de Abril (1999) e A
Liberdade O que É? (2007); Alice Vieira, em Vinte e Cinco a Sete Vozes (1999); José Vaz, em A Fábula dos Feijões Cinzentos (2000);
Álvaro Cunhal, em Os Barrigas e os
Magriços (2000; ed. em livro, 2009); António Torrado, em Vassourinha - Entre Abril e Maio (2001); Álvaro Magalhães, em O Rapaz da Bicicleta Azul
(2004); Vergílio Alberto Vieira, em A
Revolução das Letras: o 25 de Abril explicado às crianças (2004); e
Margarida Fonseca Santos, em 7 x 25
Histórias da Liberdade (2010); a par de outros, como Maria Mata (L. A. & C.ª no Meio da Revolução,
1996), Valdemar Cruz (O Soldado e o
Capitão, os Cravos e o Povão, 1998), Paula Cardoso Almeida (25 de Abril: Revolução dos Cravos, 2008)
e Ana Oliveira (Do Cinzento ao Azul
Celeste, 2009).
Destaco três destes muitos títulos.
Mário Castrim, em O Caso da Rua Jau (1994), oferece-nos uma narrativa
juvenil em que se aborda o significado do 25 de Abril, na perspetiva das
alterações verificadas no relacionamento entre jovens em ambiente escolar.
José Jorge Letria, por seu turno,
propõe, em Capitães de Abril (1999),
um relato vivo e lúcido da Revolução dos Cravos, tal como foi vivenciada por
João e Teresa, um casal que em Abril de 1974 tinha cerca de vinte e cinco anos.
A relação destas personagens com um filho entretanto chegado à idade adulta
cria o quadro que permite ao narrador realçar a importância da memória e de
transmitir às gerações mais novas o testemunho dos ideais de democracia e
liberdade. Saliente-se o bom gosto do arranjo gráfico de José Pedro Costa –
também autor das ilustrações – que, além de explorar o simbolismo da cor vermelha
ao longo de todo o livro, reforça o enquadramento do texto no âmbito da crónica
jornalístico-literária, através do tipo de fonte tipográfica selecionada para o
cabeçalho e para a numeração das páginas.
Outra aproximação consistente à
história do 25 de Abril, enredada, como não poderia deixar de ser, nos fios da
ficção e da emoção, é Vinte e Cinco a
Sete Vozes, saído por ocasião do 25.º aniversário da Revolução – texto de
destinatário plural, isto é, não exclusivamente para jovens, embora algumas das
suas personagens sejam adolescentes.
Constitui-se a narrativa a partir
do cruzamento de sete perspetivas sobre o 25 de Abril, dadas por outras tantas
vozes representativas de diferentes gerações, classes e modos de pensar – o que
confere à obra uma dimensão poliédrica e problematizante, não manipuladora, mas
que não escamoteia a referência aos aspetos mais negros da ditadura de Salazar
e Caetano. Os testemunhos pertencem a jovens adultos e adolescentes do final de
década de noventa do século passado, e ainda a idosos e a outras personagens
que viveram intensamente a luta contra o fascismo e os dias da Revolução.
Embora nunca escutemos a sua voz, uma jovem que prepara uma dissertação de
mestrado sobre a memória dos acontecimentos (e que se constitui como «narrador silencioso»,
divulgador de depoimentos, e simultaneamente como narratário dos depoentes),
essa jovem, dizia, grava os testemunhos mencionados, cujos autores se encontram
ligados entre si por laços familiares ou de outro tipo. Estamos assim perante
monólogos em diversos registos de língua que evocam ora o dramatismo do período
anterior ao 25 de Abril, ora as alegrias da liberdade ou, no caso dos mais
jovens, uma caricata falta de memória histórica, cuja responsabilidade é, em
parte, assacada à Escola.
A carência de narrativas de
qualidade suscetíveis de motivar os adolescentes para os valores da Revolução
encontra, assim, uma saída neste livro de uma das vozes representativas da
geração que, em Abril de 1974, estava a entrar na casa dos trinta anos: Alice
Vieira.
José António Gomes
NELA – Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto