terça-feira, 21 de junho de 2011

Com um abraço para a Margarida

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Com o título «Último director da Pide "não tem bom nome que possa ser defendido"», publicou o Jornal de Notícias, a 11 deste mês, uma notícia que nos permitimos transcrever, pela justeza e inteligência das palavras de José Manuel Tengarrinha:

«O último director da PIDE, Silva Pais, cuja memória está a ser evocada no julgamento da peça "A filha rebelde", não tem bom nome que possa ser defendido em tribunal, disse o professor catedrático José Manuel Tengarrinha.

"Ele pode ter sido uma boa pessoa em família, mas a sua atitude pública, o seu comportamento foi altamente condenável como principal responsável da repressão do Estado Novo", disse o antigo deputado, várias vezes detido pela PIDE.

Em causa está uma peça de teatro estreada no Teatro D. Maria II, em 2007, e que conta a história de Annie Silva Pais, filha do antigo director da PIDE.

Os sobrinhos de Silva Pais processaram os dois antigos directores do Teatro Nacional D. Maria II – Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira – e a autora da adaptação do texto, Margarida Fonseca Santos, por difamação e ofensa à memória de Silva Pais.

Em tribunal "defende-se o bom nome de uma pessoa que tem bom nome. Ele não tem bom nome", opinou Tengarrinha, actualmente com 80 anos.

Para o fundador do Movimento Democrático Português, é preciso separar as águas: por um lado a "afeição familiar" dos sobrinhos de Silva Pais e por outro o comportamento "cruel, opressivo e repressivo" do antigo director da PIDE.

"É confundir as duas coisas. Ele não tem bom nome. Eu estive várias vezes preso quando ele foi director e sei bem o que passei e qual era a opinião dele sobre os presos políticos e como deviam ser "apertados" para denunciar", recordou.

O julgamento começou no dia 3 de maio e a próxima audiência está marcada para o dia 22, para audição de Valdemar Cruz e José Pedro Castanheira, jornalistas do semanário Expresso e autores do livro "A Filha Rebelde", testemunhas arroladas por ambas as partes do processo.»

Porque este é um sítio sobre livros para a infância e Margarida Fonseca Santos é (também) uma ilustre cultora desta escrita, mal iríamos se aqui não chamássemos a atenção para este vergonhoso episódio, inquietante sinal dos tempos direitistas que atravessamos.

Merece ainda a Margarida que aproveitemos este triste ensejo para recordar um dos seus livros de 2002.

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Autora de numerosos livros para crianças e jovens, romances e livros de contos para adultos, Margarida Fonseca Santos foi professora de Formação Musical e tem-se dedicado também à animação pedagógica e cultural, bem como à escrita de peças de teatro para jovens e para adultos.

Em Há Dias Assim (Garrido Editores, 2002; ilustrações de Carla Nazareth), propõe-nos um livro preenchido com um único conto e que se aproxima do conceito de álbum ilustrado para crianças pequenas, em que o texto surge incorporado na mancha da ilustração.

A história – segundo é explicado no paratexto da contacapa – está enraizada numa situação vivida e desenrola-se em Beja. A protagonista – que acumula o papel de narradora – é Lena, uma menina em idade escolar que partilha as suas experiências com Rosarinho, da mesma idade. Tudo se joga, nesta narrativa breve e sensível, em torno do tema da morte, de facto poucas vezes enfrentado na escrita para crianças. Entre um pequeno pássaro abandonado que acaba por morrer – após as tentativas infrutíferas de o salvar por parte das meninas – e um outro que, em condições semelhantes, consegue sobreviver e reconquistar a liberdade, desenha-se um arco que ilustra, sem dramatismos excessivos nem discursos piedosos, o ciclo da vida e da morte. Pelo meio, uma cena ocorrida na noite dos contos, durante o tradicional Encontro das Palavras Andarilhas (Andarilho será, aliás, o nome de «baptismo» de ambos os animais), permite dar a explicação possível do inexplicável: o mistério do viver e do morrer.

Uma linguagem simples e fluente, que não prescinde, contudo, de recursos literários – quer no plano imagético, quer ao nível fónico e rítmico – nem de uma certa vivacidade do contar, confere nota positiva a este livro de Margarida Fonseca Santos.

José António Gomes

NELA – Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto