De 8 a 11 de Setembro do ano transacto, realizou-se, nas instalações da Biblioteca Fundación Caixa Galicia, em Santiago de Compostela, o V Curso de Formação Contínua subordinado ao tema da Guerra Civil espanhola e suas influências na Literatura Infantil e Juvenil dos diferentes domínios linguísticos do espaço ibérico (Espanha e Portugal). Deste curso, da iniciativa da LIJMI (Red Temática de Investigación «Las Literaturas Infantiles y Juveniles del Marco Ibérico»), e com a colaboração de outros investigadores convidados, resultou o livro que aqui se apresenta: A Guerra Civil Española na Narrativa Infantil e Xuvenil, coordenado por Blanca-Ana Roig Rechou, Pedro Lucas Domínguez e Isabel Soto López, e publicado pelas Edicións Xerais de Galicia, com o patrocínio da Fundación Caixa Galicia. Tanto o curso como a obra resultam, em suma, do trabalho de investigação levado a cabo, em 2007-2008, pela Rede LIJMI.
O presente volume, constituído por 399 páginas, apresenta, numa primeira parte, um estudo teórico («La guerra civil y sus representaciones»), da autoria da investigadora basca Mari José Olaziregi, que reflecte sobre a presença efectiva do tema da Guerra Civil espanhola na narrativa infantil e juvenil, sobre as suas representações na literatura e nas artes, tecendo, ainda, considerações sobre as relações entre História e Ficção. Seguem-se oito panorâmicas subordinadas ao tema da Guerra Civil, sendo a primeira elaborada por Nieves Martín Rogero, da Universidade Autónoma de Madrid, «Guerra civil y posguerra en la narrativa escrita en castellano», que estabelece o marco cronológico em que a Guerra Civil começa a ser pano de fundo das narrativas infantil e juvenil castelhanas. Blanca-Ana Roig Rechou, depois de uma contextualização das obras galegas em que a temática da Guerra Civil se manifesta, debruça-se sobre a conformação de um ideário nos mais jovens, através da educação literária e da mediação leitora, com vista a eliminar tragédias semelhantes. No caso português, José António Gomes, Ana Margarida Ramos e Sara Reis da Silva traçam, no artigo «Narrativa portuguesa e guerra civil espanhola: algumas notas» um panorama alargado de narrativas portuguesas que plasmam de forma mais ou menos explícita a temática da Guerra Civil espanhola. Os autores portugueses estudados neste artigo são, a título de exemplo, Miguel Torga, Ferreira de Castro, José Viale Moutinho, Fernando Assis Pacheco, Jorge de Sena, Manuel Tiago, sendo que o corpus narrativo destes escritores se destina maioritariamente a um público adulto, ainda que possua potencialidades, segundo explicam os autores, para ser lido por um público juvenil, pelo que se torna determinante o papel da mediação leitora na recepção de tais textos pelos mais jovens. Da lista de obras portuguesas, José António Gomes, Ana Margarida Ramos e Sara Reis dão-nos a conhecer, entre outras, duas, Campo de Lágrimas, de José Jorge Letria (este intencionalmente dirigido a leitores adolescentes) e A Casa de Eulália, de Manuel Tiago, que poderão ser lidas por um público infanto-juvenil. A primeira, não sendo percorrida pelo tema da Guerra Civil, faz, no entanto, alusões à contenda. Xabier Etxaniz Erle e Manu Lopez Gaseni, da Universidade do Pais Basco, fazem o levantamento das obras em língua basca e concluem que o tratamento deste tema é escasso e que só recentemente começam a surgir narrativas centradas num tópico que permanece, todavia, tabu na literatura infantil e juvenil basca. «Aproximación al estúdio de la Guerra Civil española en la literatura infantil y juvenil alemana», de Veljka Ruzicka Kenfel, incide sobre a obra Vier Spanische Jungen [Quatro Muchachos Españoles], sem tradução ainda disponível para outras línguas, da escritora judia Ruth Rewald, perseguida pelo nacional-socialismo alemão e exilada em França e em Espanha nos anos 30. O oitavo artigo, tal como o sétimo, sai fora do âmbito linguístico ibérico, e fornece uma lista de autores ingleses que escreveram sobre esta guerra, com incidência em Muriel Spark. Por último, temos «Unha selección para a educação literária» de setenta e três obras da Literatura Infantil e Juvenil que plasmam, sob diferentes perspectivas, o tema da Guerra Civil. Para além de uma vasta e cuidada selecção bibliográfica no final de cada estudo, A Guerra Civil Española na Literatura Infantil e Xuvenil apresenta também, numa segunda parte, uma lista selectiva de obras narrativas de autores castelhanos, catalães, bascos, galegos, portugueses, ingleses e alemães, num total de setenta e três títulos, que, de modo explícito ou implícito, abordam a problemática do conflito espanhol e/ou se aproximam deste momento histórico. Dezassete destes títulos são profusamente comentados e sugerem linhas de orientação pedagogico-didácticas úteis a todos os mediadores da leitura e profissionais da educação literária, estabelecidas por vários investigadores do marco ibérico. Exemplos: «A silenciosa subversión do universo feminino como consecuencia da Guerra Civil: A Sombra Descalza, de An Alfaya»; «Una vaca amiga de los maquis. A propósito de Memorias de una vaca, de Bernardo Atxaga»; «Literatura contra a desmemoria: unha lectura de Noite de Voraces Sombras, de Agustín Fernández Paz»; «A Guerra Civil espanhola através do olhar infantil – uma leitura de A Língua das Borboletas, de Manuel Rivas»; «A Casa de Eulália, de Manuel Tiago: uma história entrelaçada na História»; ou, ainda, «A Criação do Mundo, de Miguel Torga: História, autobiografia e ficção», para apenas apontar alguns títulos. Podem ler-se ainda dois comentários a obras que se situam fora do domínio linguístico do marco ibérico, mas que reflectem o tema: The Prime of Miss Brodie, de Muriel Spark, e Vier Spanische Jungen [Cuatro Muchachos Españoles], de Ruth Rewald. Estes artigos exploram também formas de abordagem do conflito espanhol e propõem estratégias de aproximação/recepção dos textos por parte dos leitores mais jovens, ainda que tais textos, por vezes, sejam em primeira instância dirigidos a leitores adultos.
Deste modo, a presente edição das Edicións Xerais de Galicia, a que a Rede LIJMI deu corpo, num louvável e necessário labor de investigação em área dele tão carecida, revela-se uma ferramenta útil e indispensável no tratamento das relações entre História factual e tecido ficcional e na disponibilização destes dois estratos às crianças e jovens, para que tomem consciência da sua identidade histórico-cultural e possam, em simultâneo, prosseguir um exercício de cidadania responsável e criticamente informado.
Ficha bibliográfica
A Guerra Civil Española na Narrativa Infantil e Xuvenil
Blanca-Ana Roig Rechou, Pedro Lucas Domínguez, Isabel Soto López (coord.)
ISBN 978-84-9782-885-2008
Vigo: Edicións Xerais de Galicia, S.A., 2008
Ana Vasconcelos
NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)