segunda-feira, 1 de novembro de 2021

João e Rachel gostam de coisas que gostam de coisas


Do que gostas nesta vida? Se as coisas gostassem, de que gostariam? Aprende-se a gostar? Tem que não gostar para saber do que se gosta? 

 

A nuvem gosta 

de pousar na montanha.

E de coçar o peito 

no cume.

 

Com gostares e não gostares, João Pedro Mésseder dá o tom de seu novo livro de poemas para o público infantil e juvenil, Coisas que gostam de coisas, lançado em Setembro de 2021 pela Editorial Caminho. O livro é belissimamente ilustrado por Rachel Caiano, também parceira nos outros cinco livros da editora, de projeto semelhante: Pequeno livro das coisas (2012), Tudo é sempre outra coisa (2013), De umas coisas nascem outras (2016), Olhos tropeçando em nuvens e outras coisas: haicais ou quase (2017) e Canções do ar e das coisas altas (2018).

Os poemas provocam a imaginação do leitor e o desafiam com perguntas e com imagens, palavradamente, coloridamente:

 

Carregada de frutos em janeiro

a laranjeira gosta de desafiar

a frialdade do inverno,

docemente, alaranjadamente.

 

O poema acima, “Laranjeira”, convoca a imagem pela força da cor e da percepção do calor que ela traz, em pleno inverno. Não há como não lembrar da grande Adélia Prado e seu poema, de cor e de “quentura” semelhantes, “Impressionista”:

 

Uma ocasião,

meu pai pintou a casa toda

de alaranjado brilhante.

Por muito tempo moramos numa casa,

como ele mesmo dizia,

constantemente amanhecendo.

 

(Adélia Prado, Poesia Reunida, Rio de Janeiro, Record, 2015, p. 34)  

 

Em Coisas que gostam de coisas, Mésseder traz, como sempre, poesia com poesia (pode não parecer, mas há por aí muito poema sem poesia!), e também com bom humor, com delicadeza, com provocação, e com história. O conjunto de poemas por si conta-nos uma outra e única história, a da importância de haver diferentes “gostares”, diferentes olhares.

 

A claraboia

gosta de sol

gosta da noite

gosta de estrelas

gosta da Lua

gosta de névoas

mas, mais que tudo,

gosta de chuva percutindo o vidro

como baquetas numa tarola.

É da música da chuva

que ela mais gosta,

pois assim todos dão conta

de que está ali, junto ao telhado, a claraboia.

 

 

 

Inicialmente publicado em As Artes entre as Letras, 301, 27 de Outubro de 2021, p. 6, com o título «João gosta de coisas que gostam de coisas». Título alterado neste post pela responsável de edição do blogue.

 

Jaqueline Conte

 

Escritora e jornalista brasileira. Bolseira da FCT (Estudante do Doutoramento em Materialidades da Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)