sábado, 21 de abril de 2012

Abril na literatura para crianças e jovens

Em tempos recentes recrudesceu o interesse dos escritores de literatura para crianças e jovens pela tematização do 25 de Abril, depois de, nos primeiros anos após a Revolução, ter existido certo silêncio sobre o assunto, cujas razões, atribuíveis a circunstâncias diversas, não cabem no espaço desta nota. A produção em causa fica sobretudo a dever-se às gerações de autores que, em 1974, contavam entre dezoito e cinquenta anos, como se, tantos anos decorridos sobre essa data fulcral da nossa História do século XX e face aos retrocessos do presente, se sentisse a necessidade de avivar memórias, lutar contra o branqueamento de um passado iníquo, sublinhar o significado da Revolução bem como a importância das suas conquistas: liberdade, democracia, possibilidade de lutar pela justiça social. É que, ao contrário do que muitos julgam, a literatura é sempre – além de tudo o resto que é o principal – um discurso ideológico.
Quando, em 2007, sob o pen name de João Pedro Mésseder, publiquei Romance do 25 de Abril, com ilustrações de Alex Gozblau, as minhas preocupações não andavam longe das enunciadas. Escrevi-o em forma de romance tradicional em verso (mais facilmente memorizável e dizível), recorrendo a uma alegoria (o menino Portugal), dando a ver o contraste entre o antes e o pós-25 de Abril e prestando, de passagem, tributo a alguns dos grandes cantores da liberdade: Jorge de Sena, Sophia de Mello Breyner Andresen, Manuel Gusmão.
Matilde Rosa Araújo, com História de uma Flor (1976), Carlos Pinhão, com Bichos de Abril (1977), e Sidónio Muralha, com O Companheiro (1975), Catarina de Todos Nós (1979) e Terra e Mar, Vistos do Ar (1981), foram dos primeiros a combater o esquecimento. Voltariam ao tema do antes e do pós-25 de Abril Manuel António Pina com o notável conto O Tesouro (1993) e Mário Castrim com O Caso da Rua Jau (1994). Deram continuidade a este trabalho José Jorge Letria, em O 25 de Abril Contado às Crianças e aos Outros (1999), Capitães de Abril (1999) e A Liberdade O que É? (2007); Alice Vieira, em Vinte e Cinco a Sete Vozes (1999); José Vaz, em A Fábula dos Feijões Cinzentos (2000); Álvaro Cunhal, em Os Barrigas e os Magriços (2000; ed. em livro, 2009); António Torrado, em Vassourinha - Entre Abril e Maio (2001); Álvaro Magalhães, em O Rapaz da Bicicleta Azul (2004); Vergílio Alberto Vieira, em A Revolução das Letras: o 25 de Abril explicado às crianças (2004); e Margarida Fonseca Santos, em 7 x 25 Histórias da Liberdade (2010); a par de outros, como Maria Mata (L. A. & C.ª no Meio da Revolução, 1996), Valdemar Cruz (O Soldado e o Capitão, os Cravos e o Povão, 1998), Paula Cardoso Almeida (25 de Abril: Revolução dos Cravos, 2008) e Ana Oliveira (Do Cinzento ao Azul Celeste, 2009).
Destaco três destes muitos títulos. Mário Castrim, em O Caso da Rua Jau (1994), oferece-nos uma narrativa juvenil em que se aborda o significado do 25 de Abril, na perspetiva das alterações verificadas no relacionamento entre jovens em ambiente escolar.
José Jorge Letria, por seu turno, propõe, em Capitães de Abril (1999), um relato vivo e lúcido da Revolução dos Cravos, tal como foi vivenciada por João e Teresa, um casal que em Abril de 1974 tinha cerca de vinte e cinco anos. A relação destas personagens com um filho entretanto chegado à idade adulta cria o quadro que permite ao narrador realçar a importância da memória e de transmitir às gerações mais novas o testemunho dos ideais de democracia e liberdade. Saliente-se o bom gosto do arranjo gráfico de José Pedro Costa – também autor das ilustrações – que, além de explorar o simbolismo da cor vermelha ao longo de todo o livro, reforça o enquadramento do texto no âmbito da crónica jornalístico-literária, através do tipo de fonte tipográfica selecionada para o cabeçalho e para a numeração das páginas.
Outra aproximação consistente à história do 25 de Abril, enredada, como não poderia deixar de ser, nos fios da ficção e da emoção, é Vinte e Cinco a Sete Vozes, saído por ocasião do 25.º aniversário da Revolução – texto de destinatário plural, isto é, não exclusivamente para jovens, embora algumas das suas personagens sejam adolescentes.
Constitui-se a narrativa a partir do cruzamento de sete perspetivas sobre o 25 de Abril, dadas por outras tantas vozes representativas de diferentes gerações, classes e modos de pensar – o que confere à obra uma dimensão poliédrica e problematizante, não manipuladora, mas que não escamoteia a referência aos aspetos mais negros da ditadura de Salazar e Caetano. Os testemunhos pertencem a jovens adultos e adolescentes do final de década de noventa do século passado, e ainda a idosos e a outras personagens que viveram intensamente a luta contra o fascismo e os dias da Revolução. Embora nunca escutemos a sua voz, uma jovem que prepara uma dissertação de mestrado sobre a memória dos acontecimentos (e que se constitui como «narrador silencioso», divulgador de depoimentos, e simultaneamente como narratário dos depoentes), essa jovem, dizia, grava os testemunhos mencionados, cujos autores se encontram ligados entre si por laços familiares ou de outro tipo. Estamos assim perante monólogos em diversos registos de língua que evocam ora o dramatismo do período anterior ao 25 de Abril, ora as alegrias da liberdade ou, no caso dos mais jovens, uma caricata falta de memória histórica, cuja responsabilidade é, em parte, assacada à Escola.
A carência de narrativas de qualidade suscetíveis de motivar os adolescentes para os valores da Revolução encontra, assim, uma saída neste livro de uma das vozes representativas da geração que, em Abril de 1974, estava a entrar na casa dos trinta anos: Alice Vieira.

José António Gomes
NELA – Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto