Um livro, pois, de recepção
transgeracional, dado que quase todas estas citações são emocional e
esteticamente interpelantes para leitores adultos com certo background político-cultural.
Ajudam assim a criar uma atmosfera de nervura revolucionária e abrilista
(“abrilar” é, aliás, um termo – vi-o utilizado, no ano transacto, por uma
professora, numa unidade didáctica – que Rita faz questão em ter como
“pequenina luz bruxuleante” ao longo desta sua narrativa de claro contorno
poético, em que até o glossário final é poetizante e divertido).
A prosa já vai longa e dou
conta de que nada disse sobre a dimensão ideotemática e humana deste livro
belíssimo e comovente. É que a autora adopta aquilo a que se pode chamar um
registo autobiográfico (tendência que começa a reforçar-se na nossa escrita
para crianças e jovens). E faz muito bem. A história que é contada na primeira
pessoa com os recursos próprios da linguagem ficcional e da poesia é uma história
de vida, em muito coincidente com a da escritora, da sua irmã e dos seus pais.
Com um pai antifascista e exilado na Suécia (como aconteceu com Mário de
Carvalho, pai de Rita), uma família a ser obrigada a deslocar-se para esse país
para aí se instalar, uma dedicatória ao pai e à mãe… – são diversos, enfim, os
elementos que, cruzados, nos induzem à activação de um “pacto” de leitura
“autobiográfico” (no todo ou em parte – e garanto que não vou estar neste
espaço a maçar ninguém com argumentos teóricos de matriz lejeuniana ou outra).
Enquadrado numa colecção que,
no futuro, há-de ter muito que se lhe diga – dos pontos de vista ideológico,
político, institucional, da proveniência autoral e de outros –, Sempre!,
pelo que fica dito, é um livro de qualidade rara e que respira autenticidade,
que respira um vivido, que seduz por essa via, mas que igualmente ilumina pela
certeira caracterização do fascismo (grande Rita, a chamar os bois pelos nomes,
e sem medo!) e, principalmente, pelo modo como exprime (sem deixar de divertir)
a dimensão dramática e emocional de tudo o que é contado – e não é pouco –
sobre o que foi a oposição democrática ao fascismo e sobre as implicações que
teve na vida familiar e no crescimento de uma criança.
Uma nota final: e não é que a
lindíssima capa de Madalena Matoso, criada muito antes de Abril de 2024, parece
antecipar o que foi a explosão de gente, de alegria e de luta, nas ruas de
Lisboa e do Porto, no passado dia 25? Sem o querer… acertou na mouche.
Um livro que recomendo e que, estou certo, ninguém esquecerá.
José António Gomes
IEL-C (Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais) da
Escola Superior de Educação do Porto